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Barra Mansa-RJ: O porteiro sem documento foi transformado em "laranja"

André Luiz de Souza ganha salário mínimo, mas foi informado pelo fisco que era sócio de duas empresas em Volta Redonda (RJ)

Por Exclusivo RJ em 08/01/2024 às 10:00:38

Em agosto de 2002, o comerciário André Luiz de Souza, de 51 anos, trabalhava como porteiro no Condomínio Edifício Spart, na cidade de Barra Mansa (RJ), no Sul Fluminense, quando seus documentos foram extraviados ou furtados, conforme narra no Boletim de Ocorrências 090-00685/2008, registrado na 90ª Delegacia de Polícia naquele período.

No ano de 2008, voltou à delegacia. Desta vez, denunciava que o seu nome constava como sócio de duas empresas com sede em Volta Redonda, as quais nunca constituiu e tão pouco sabia que diante do fisco era um empresário obrigado a declarar e pagar Imposto de Renda anualmente. Aquela altura já figurava como devedor.

Esta descoberta aconteceu depois de uma notificação da Receita Federal sobre débitos tributários não declarados desde de 2003. Neste momento, o comerciário começa uma jornada pelos corredores da justiça que persiste até os dias atuais.

André Luis de Souza foi vítima de uma fraude. Seus documentos foram usados para transferência de propriedade no contrato social das empresas H. C. de Volta Redonda Informatica Ltda-ME e Transmunk Locação Ltda-ME, atos que geraram um processo que envolve no polo passivo um contador, o Banco do Brasil, o Cartório de 2º Ofício, a Jucerja (Junta Comercial do Estado do Rio), um empresário e um personagem que atualmente é fiscal da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz RJ) cedido ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).

Personagens envolvidos

De acordo com o processo no âmbito da 4ª Vara Cível de Volta Redonda (processo: 0032260-49.2008.8.19.0066), toda a burocracia supostamente fraudulenta foi organizada pelo contador Paulo Roberto Chagas, mediante falsificação de assinaturas atestadas com reconhecimento no Cartório do 2º Ofício de Volta Redonda, permitindo o registro de toda documentação na Jucerja.

O nome do comerciário foi inserido por meio de alteração contratual, em 21/02/2003, como sócio cotista de 50% do capital da H. C. de Volta Redonda. Nesta operação fraudulenta, foi simulada a compra de 50% das cotas do então sócio Carlos Henrique Ferrari, atualmente auditor da Sefaz RJ e cedido ao Ministério Público Estadual.

Os outros 50% foram supostamente adquiridos por Michael Aurélio da Cruz. Ele teria assumido a parte que estava em nome de Hugo Vinicius da Costa, que até então era sócio de Carlos Ferrari.

A trama em detalhes

Todas as assinaturas da vítima André Luis eram falsas, mas ainda assim foram reconhecidas pelo cartório como autênticas e posteriormente aceitas pela Jucerja.

Durante todos esses anos, a fraude permitiu a movimentação de contas no Banco do Brasil, instituição que só forneceu documentos para descoberta dos verdadeiros sócios anteriores às alterações contratuais, mediante determinação da Justiça, assim como o contador.

O documento que atesta a alteração no contrato social puxou o fio do novelo. A partir daí emergiram as digitais de todos as personagens envolvidas direta e indiretamente na fraude. São réus no processo o contador Paulo Roberto Chagas, o Banco do Brasil, o Cartório do 2º Ofício de Volta Redonda, a Jucerja, Carlos Henrique Ferrari, Hugo Vinicius da Costa (ambos favorecidos pela alteração contratual) e Michael Aurélio da Cruz.

Em 2017, o processo ganhou um novo capítulo, porque uma decisão judicial obrigou a Jucerja a excluir o nome de André Luís dos contratos sociais das duas empresas, mas ao ficar desempregado e procurar o Ministério do Trabalho para solicitar o Seguro Desemprego, foi informado que não tinha direito ao benefício por ser empresário.

Foi quando constatou que o seu nome ainda permanecia no contrato social de uma das empresas, o que obrigou a Justiça a determinar que realizasse a exclusão definitivamente.

Sobre os verdadeiros sócios

Carlos Henrique Ferrari é um servidor concursado na Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz RJ), com ingresso nos quadros de servidores depois de 2008. Sua atuação foi tema de reportagem recente da Agência Fonte Exclusiva.

A reportagem, na ocasião, mostrou o poder e influência decorrentes de sua ligação com o Ministério Público Estadual (MPRJ) e também nos enlaces aparentes com a Corregedoria Interna do fisco estadual.

"A Sefaz é a única secretaria de Fazenda Estadual em que os seus corregedores são do quadro externo. São procuradores que ocupam a função por meio de função gratificada em cargo comissionado, ou seja, é indicação política", destaca um trecho da reportagem.

Antes de ingressar nos quadros da Receita Estadual, Ferrari foi denunciado por crime de ameaça. Em Volta Redonda, no sul Fluminense, foi denunciado por crime de ameaça contra à vida do seu ex-sócio Hugo Vinicius da Costa, conforme demonstra o Termo Circunstanciado de nº 093-00595/2007, datado 12 de fevereiro de 2007, na 93ª Delegacia de Polícia (DP).

A motivação seria uma dívida de R$ 50 mil remanescente da sociedade entre ambos na empresa H. C. Teleinformática Ltda, fato testemunhado por José Geraldo da Costa, irmão da vítima.

"[…] Relatou o nacional Hugo Vinicius da Costa que foi ameaçado de morte pelo Sr. Carlos Henrique Ferrari, no dia 07-02-2007, por volta das 16:30, quando estava no Hotel Bela Vista. Foi testemunha da ameaça o seu irmão José Geraldo Costa. Esclarece que o Sr. Carlos Henrique já foi sócio da empresa e vendeu sua parte no ano de 2006. Segundo o comunicante, o Sr. Carlos Henrique Ferrari não reside mais em Volta Redonda; Que ele reside na cidade de São Paulo; Que, o motivo das ameaças vem pelo fato de uma dívida de cinquenta mil reais que ficou faltando ser paga, pela parte dele na firma Here Control Teleinformática Ltda. Que ciente dos termos dos artigos 88 e 91 da lei 9.099/95, vem representar pela instauração de ação penal contra Carlos Henrique Ferrari […]", destaca o Termo Circunstanciado registrado na 93ª DP.

Na altura desses acontecimentos, o passado de harmonia entre Ferrari e Costa era página virada. Nos tempos de sociedade no papel, eles chegaram a informar como endereço residencial a Avenida Tancredo Neves, nº 433, Centro – Pinheiral (RJ), no Sul Fluminense.

Nas inúmeras tentativas de intimá-los no processo envolvendo o porteiro de Barra Mansa (RJ), no entanto, o oficial de justiça foi informado por um morador que reside na proximidade deste endereço há mais de 18 anos, que tanto Ferrari quanto o ex-sócio, nunca residiram por lá. Ou seja, em tese, o endereço também era uma fraude.

Com todo este histórico, o auditor foi aprovado em concurso, entrou para o serviço público em um setor estratégico e posteriormente passou a atuar junto ao Grupo de Atuação Especializada em Combate à Sonegação Fiscal e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária (GAESF), braço do MPRJ e com grande influência sobre a Corregedoria interna da Sefaz. Ao que tudo indica, a vida pregressa passou longe de qualquer pente fino, assim como uma pesquisa social sobre quem viria atuar como peça auxiliar do MPRJ no combate ao "alaranjamento" e outros atos delituosos.

Diante de toda esta ficha corrida, até o mês de dezembro de 2023, o auditor continuava cedido pela Sefaz RJ ao Ministério Público Estadual, sob aparente proteção institucional. A única movimentação funcional interna foi sua saída do GAESF para a Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI), do mesmo MPRJ.

A reportagem tentou contato com as pessoas citadas na reportagem, mas não obteve êxito. O espaço está aberto para as manifestações de todas as partes.



Fonte: Agencia Viu / FONTE EXCLUSIVA

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