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Lojas Americanas

Por Exclusivo RJ em 08/03/2023 às 07:37:35

Fotos: Divulgação


Lojas Americanas

O caso, para muitos, é o maior escândalo do mercado financeiro brasileiro, outros asseguram que um dos maiores do planeta, comparado ao da Enron, nos Estados Unidos, em 2001, que respingou até no então presidente americano, George W. Bush, ex-governador do Texas, onde a Enron nasceu como uma pequena empresa de gasodutos. Sob o comando de Kenneth Lay, seu fundador e CEO (dentre outros cargos que ocupou), amigo íntimo da família Bush, ela se tornaria, 15 anos após a sua criação, a sétima companhia dos Estados Unidos em tamanho, a maior operadora do setor energético, xodó de Wall Street – pagando dividendos e bônus monumentais, indicando integrantes do governo republicano e transitando com desenvoltura pela Casa Branca e Congresso americano, e com influência nas instâncias jurídicas.



Há quem afirme, como é o caso do empresário, escritor e palestrante Eduardo Moreira, que já foi do Banco Pactual (um dos maiores credores das Americanas), e é fundador do ICL – Instituto Conhecimento Liberta, que o caso das Americanas é uma "fraude sem precedentes". As comparações entre os dois casos – Lojas Americanas e Enron – são quase inevitáveis. Assim como o americano Lay, conhecido por sua filantropia e financiar campanhas eleitorais, um dos três acionistas majoritários das Americanas, Jorge Paulo Lemann, o segundo homem mais rico do Brasil, de acordo com a revista Forbes, é fundador de instituições filantrópicas, educacionais e de incentivo ao esporte.

Foi por meio de uma delas que Tábata Amaral (PSB-SP), Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e Tiago Mitraud (Novo-MG), eleitos deputados federais em 2018, estudaram em prestigiadas universidades no exterior. Em 2022, Tábata e Rigoni se reelegeram, Mitraud foi candidato a vice-presidente da República na chapa de Felipe D"Avilla (Novo). Há outros eleitos, em diversos Estados, na lista de líderes políticos que estudaram graças ao financiamento de Lemann. As comparações, entretanto, não param por aí. Assim como tinha a prática de financiar campanhas políticas, Lay também era um investidor hábil. Uma de suas estratégias era adquirir ações de empresas menores, por meio de intermediários e quando menos se esperava se tornava acionista majoritário das empresas e as incorporava ao seu patrimônio. Dessa forma virou o maior controlador do sistema energético dos Estados Unidos.


Seguindo o mesmo caminho, Lemann foi de minoritário a maior acionista da Eletrobras, numa operação iniciada em 2015, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). A partir daí indicou gestores da empresa. Posteriormente foi justamente a sua 3G (na qual Lemann é sócio de Marcel Telles e Beto Sicupira) que realizou a avaliação do preço da companhia. No ano passado, quando o governo brasileiro decidiu colocar as ações na bolsa, deixando de ser o controlador da Eletrobrás, Lemann arrematou.

Existe ao menos uma terceira coincidência, se é que se pode chamar assim, entre as práticas de Lay (que morreu de ataque cardíaco, em 2006) e Lemann, ou das empresas e/ou grupos econômicos dos quais o megaempresário brasileiro faz parte: o modus operandi do Grupo 3G, no caso das Americanas, se assemelha muito à maneira como operava a empresa do ex-bilionário americano. Assim como a varejista brasileira, a Enron Corporation, até então considerada a mais valorizada e mais cotada na Bolsa de Nova Iorque, abria sorrisos contumazes com o pagamento de bônus a diretores e conselheiros, e multiplicava fortunas de investidores, manipulava a contabilidade, alterando os resultados para acionistas, diretores e investidores. E da mesma forma como ocorreu no Brasil, auditorias independentes, todas com reconhecimento internacional, jamais "perceberam" a manipulação dos números, enganando as bolsas de valores e os investidores. O encerramento do caso da Enron e de suas operações deixou mais de 21 mil desempregados, acionistas e pensionistas perderam mais de U$ 25 milhões, Kennety Lay, foi condenado a 45 anos de prisão e Jeff Skilling, seu gerente de operações financeiras, a 185 anos de prisão.

Se há quem critique veementemente as práticas do Grupo 3G, que já pagou mais de R$ 18 milhões em uma única multa à CVM brasileira, por abuso de poder, negociações irregulares e uso de informação privilegiada para especular no mercado de ações, também existem os que defendem "cautela". "Os comentários não devem ser exagerados e as conclusões não podem ser apressadas", aconselha um conhecido player do ramo de recuperação judicial, consultado com exclusividade pela coluna, a respeito do caso.

Por ter sido sondado sobre a situação das Americanas e segundo ele, ter assinado um "Termo de Sigilo e Confidencialidade", o especialista não pode ter o nome revelado, mas tenta tranquilizar os credores. "Difícil tranquilizar alguém nesse momento em que as contas estão vencendo, o seu único pagador tem dívidas que superam os R$ 40 bilhões, e você não sabe quando vai receber", afirmo pra ele.

- De fato, essa é uma situação complicada pra muita gente, inclusive os investidores, e os que estão na base da pirâmide, que são os menores credores, por sinal são os credores quirografários, microempresas ou empresas de pequeno porte, e serão os últimos a receber, se conseguirem, reconhece o consultor.

- Então como ter calma, indago a ele.

- É preciso calma. No calor das emoções é possível que as pessoas façam besteira, recomenda.

Só para ter uma ideia do tamanho do bonde, as Americanas, até a semana passada, era a empresa com maior número de acionistas minoritários, no Brasil. Segundo a Bovespa, são mais de 146 mil investidores "pessoa física", ou seja, pequenos investidores, traders em início de carreira, pessoas que colocaram suas economias, acreditando que a empresa pudesse realmente ser a fortaleza que se imaginava, ancorada pelo Grupo 3G, cujas fortunas dos sócios, somadas, alcança algo em torno de R$ 160 bilhões, de acordo com a Forbes.

Com relação à recuperação judicial, trocando em miúdos, para quem não sabe, "credor quirografário", dentro de uma RJ (processo pelo qual passa as Americanas), segundo ensina o escritório Marcello Benevides Advogados Associados, "é aquele que na falência ou recuperação judicial, não possui garantia real de recebimento". Das quatro categorias de credores em uma RJ, os quirografários são os penúltimos a receber, enquanto as pequenas e microempresas são as últimas.

Para tentar esclarecer um pouco mais sobre o caso das Americanas, fomos atrás de informações e profissionais que pudessem contribuir de maneira simples e didática com o entendimento da situação. Conversamos com um especialista em recuperação judicial, que embora seja comedido nas palavras, admite certo "arrepio do mercado" aos sócios do 3G, e uma "certa indignação dos diretores de banco", como de André Esteves, do Pactual, que entrou em guerra contra o grupo, acusando o 3G de "construir seu império em bases não tão sólidas quanto tenta fazer parecer". Às vésperas do anúncio do rombo, feito pelo próprio CEO das Americanas, Sérgio Rial (ex-Santander), o 3G tentou fazer um saque repentino de R$ 800 milhões nas contas do BTG Pactual, barrado pela Justiça.

Também estivemos com Agenor Burla, contador do TRF - Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com jurisdição nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, atualmente coordenador das Contadorias do Interior do Estado do Rio de Janeiro. Tanto o consultor quanto Agenor Burla têm uma expectativa que tende mais para o otimismo, com relação ao futuro das Americanas.

- Existem muitas informações que o público não tomará conhecimento, porém a recuperação das Americanas é plenamente possível, afirma o consultor, que completa: "existe muita coisa em jogo".

O que está em jogo, nesse caso, não são apenas os negócios relacionados com as Americanas, cujo rombo ainda impreciso, se aproxima cada vez mais dos R$ 50 bilhões. "O Grupo 3G (dos bilionários Lemann, Telles e Beto Sicupira) está sob risco", admite o consultor. "Eles têm negócios pelo mundo inteiro, são respeitados pela opinião pública, por políticos, pelos empresários, são chamados para palestras nas Universidades mais importantes do Mundo. Uma situação não resolvida faria a reputação deles cair por terra ", assegura. Uma reputação, que por sinal, já foi arranhada em outras situações, como por exemplo, as denúncias de assédio moral, e exigências absurdas com o objetivo de quebrar metas, feitas por funcionários do Banco Garantia, que os três fundaram em 1976, durante o regime militar.

Nesta terça-feira, 7, depois de mais de uma semana em silêncio, a grande Imprensa, que praticamente se calou em relação ao assunto, dando mais espaço às críticas ao presidente Lula que reclamou das taxas de juros extorsivas de 13,75%, do que ao escândalo que derrubou as ações das Americanas, e revelou o rombo bilionário a partir de "inconsistências contábeis", voltou a noticiar fatos relacionados ao caso. Isso porque por meio de um "fato relevante" (comunicação que as empresas de capital aberto fazem ao mercado), as Americanas propuseram aos credores (bancos, especialmente) um acordo com aporte de capital dos acionistas de referência (Grupo 3G), no montante de R$ 10 bilhões, porém a proposta foi recusada.

- Os bancos jogarão pesado, pelo menos inicialmente, porque sabem que existe patrimônio para lastrear operações. Além disso, os banqueiros não gostaram de saber que as informações não eram verdadeiras, as informações contidas nos balanços não correspondiam à realidade, afirma o consultor. Só ao Deutsche Bank (Alemanha) eles devem R$ 5 bilhões. "Ninguém deve esse dinheiro todo, impunemente a uma instituição como essa. Um calote na dívida seria ruir todo o império", sentencia o especialista.

Enquanto a conta geral não fecha, e a dívida só aumenta, as Americanas apresentaram à Justiça do Rio de Janeiro, que concedeu a recuperação judicial em tempo recorde, uma lista com mais de 7.900 credores. Dentre eles, além do banco alemão estão Bradesco, BV Votorantim, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES, Santander (que requereu toda a comunicação entre a instituição e as Americanas, em razão da migração de Sérgio Rial, que saiu do banco e foi para a varejista), Itaú e Safra, que emprestaram quase R$ 18 bilhões ao todo, às Americanas, com base no que se chama de "risco sacado", que é uma antecipação de recebíveis.

Explicando: os bancos emprestavam dinheiro às Americanas com base naquilo que ela dizia ter nas prateleiras para vender, ou tinha vendido, e nas operações do marketplace, que engloba além de pequenos e médios empresários, empresas do grupo, como Submarino e Shoptime (mesma operação da Amazon, Shopee e outras). Enquanto isso, as Americanas não pagavam aos fornecedores e aos prestadores de serviço (entregadores, por exemplo). A dívida com as indústrias de chocolate, por exemplo, chega a R$ 400 milhões, destes, R$ 259 milhões são devidos à Nestlé. À indústria de eletrônicos, periféricos e similares, as chamadas "tech", são estimados mais R$ 1,9 bilhão, sendo o maior credor a Samsung, na casa de R$ 1,2 bilhão.

Segundo informou a revista Forbes, a recuperação judicial das Americanas, no montante estimado de R$ 43 bilhões (a conta já chegou a R$ 47 bi), é a quarta maior do País, estando atrás apenas de Odebrecht (R$ 98,5 bilhões), Oi (R$ 65,4 bi) e Samarco (R$ 51 bilhões). Enquanto isso, o MoneyTimes, portal especializado em notícias do mercado financeiro, fez outra conta: o rombo é 200 vezes maior que o Mensalão e três vezes maior que o impacto do Petrolão na Petrobras.

Ao mesmo tempo, o caso, que é o resultado de ações equivocadas no setor privado, tomadas deliberadamente, ou não – existem controvérsias, no curso de pelo menos uma década, resvala até no governo federal, que assumiu em 1º de janeiro. Na semana passada, parte da Imprensa tentou atribuir erroneamente – por desinformação, desconhecimento ou maldade, ao governo e à Receita Federal, a responsabilidade pelo fato de o Bradesco "deixar de recolher" R$ 1,8 bilhão em impostos aos cofres públicos, em razão da operação com as Americanas. Também por esse motivo específico entrevistamos o contador Agenor Burla, do TRF da 2ª Região, para que ele pudesse explicar tanto esse quanto outros aspectos desse pacote mal embalado.




Vito Diniz – Agenor, boa tarde, obrigado pela entrevista. Essa afirmação, quanto à transferência do passivo do Bradesco para o governo federal é correta? Há veículos de comunicação e jornalistas afirmando que 40% do prejuízo será transferido à "viúva" (União).

Agenor Burla – Vito, a resolução nº 2.682/1991 permite às instituições financeiras deduzir do seu lucro as perdas oriundas do inadimplemento (não pagamento) em operações de crédito. No art. 6º da norma, consta uma classificação das operações de crédito de acordo com tempo de inadimplemento do Nível AA ao Nível H. As operações de maior risco são aquelas cujo atraso é superior a 180 dias e são classificadas no "Nível H". As operações desta classificação permitem à instituição financeira provisionar, ou melhor, deduzir do lucro, 100% do valor a receber. Considerando que as Americanas se encontram em recuperação judicial, tendo inserido os bancos na lista de credores, os valores por elas devidos a estes credores não serão pagos antes do prazo do "Nível H", razão pela...

Vito Diniz – Desculpe insistir, não existe nenhuma responsabilidade por essa situação, ou tem algum mecanismo que o governo de fato pudesse lançar mão e evitar com que isso ocorresse?

AGENOR BURLA - Não. Todas as receitas e despesas de uma companhia devem ser registradas no resultado e não é correto pagar impostos sobre um lucro não auferido. Assim, comprometeria a saúde financeira dos bancos. Além disso, seria absurdo penalizar os bancos por um erro que eles não cometeram.

Vito Diniz – Quer dizer que os bancos estão fazendo aquilo que as Americanas, na prática, não fizeram. A grosso modo, seria isso?

AGENOR BURLA - Que pergunta capciosa, inteligente.

Sim! Os bancos não registraram seus eventos, apresentando patrimônio e resultados irreais. Trata-se da curiosa circunstância em que se critica os bancos por registrarem o resultado corretamente, tentando induzi-los a desconsiderar uma parte relevante de eventos econômico-financeiros, ou melhor, inadimplências.

Vito Diniz – Tem muita gente que ainda não entendeu o que aconteceu com as Americanas. Eu vou tentar formular e você me corrija, se eu estiver errado: as Americanas tinham prejuízo operacional, ou seja, com as vendas no varejo e as operações de marketplace e outras, ela não arrecadava o suficiente para pagar os custos, mesmo atrasando pagamentos com fornecedores, prestadores de serviço, impostos e outros. Essa afirmação está correta?

AGENOR BURLA - Vito, não se sabe ainda tudo que aconteceu nas Americanas. É por isso que o passivo não para de crescer e o ativo, de diminuir. Inicialmente o passivo era de R$ 40 bilhões, passou a 43, 47... Em síntese, respondendo objetivamente sua questão, pode-se afirmar que as Americanas possuíam um volume gigantesco de operações não contabilizadas (já ouvimos esse termo, não é?), e um modelo de gestão que se comprometia em apresentar rentabilidade crescente para atrair cada vez mais investidores. Hoje, já sabemos que ela acumulou prejuízos por anos sucessivos, não registrando parte de suas despesas. Enquanto a empresa se endividava, os falsos lucros estimularam a distribuição de bônus à diretoria, dividendos aos acionistas e impostos ao governo. Muita gente sabia do...

Vito Diniz – Você acredita que existe alguma chance de os sócios principais, o Leman, o Telles e o Sicupira, e principalmente o último, que foi aquele que atuou mais dentro da empresa nos últimos anos, não terem conhecimento da real situação?

AGENOR BURLA - Não, porque eventos semelhantes ocorreram na Kraft, pelos quais eles foram penalizados. Ora, isso deveria torná-los mais vigilantes com as outras empresas do grupo, não permitindo uma reincidência. A reincidência talvez represente uma estratégica prática empresarial. Se considerarmos ainda a dimensão da inconsistência contábil, acima de R$ 20 bilhões, não há como acreditar no total desconhecimento dos sócios controladores.

É preciso salientar que as empresas de auditoria, interna e externa independente, cruzam os dados do balanço com informações obtidas com os credores, por exemplo. O saldo dos valores devidos a determinado banco, constantes do passivo são ratificados pelo credor "consultado" mediante correspondência. Como distorções tão grandes não foram percebidas?

Vito Diniz – Existe a possibilidade, então, de ação dolosa, tanto dos sócios controladores, como das empresas de auditoria, dado o histórico destes sócios?

AGENOR BURLA - O mundo corporativo é um mundo de múltiplas possibilidades, mas neste momento as informações ainda estão sendo coletadas e não é possível fazer juízo sem o risco de se cometer injustiças. Essa resposta poderá ser melhor enfrentada mais à frente num processo criminal com provas robustas. Entretanto é possível afirmar que: os controles internos eram ineficientes; a auditoria não cumpriu seu papel institucional; os bancos concederam crédito com base em falsas ou irreais demonstrações financeiras; e a empresa dispunha de uma gestão de má qualidade.

Vito Diniz – Claro, não cabe a nós esse tipo de investigação, muito menos ilações. Contudo, pelo seu conhecimento na área, há de se supor que em algum momento, alguém agiu de maneira desonesta, é possível afirmar isso? Ou teria sido uma sucessão de erros, mesmo?

AGENOR BURLA - Há uma sucessão de erros, com certeza, uma vez que o passivo até a presente data não tem sua dimensão ratificada. É preciso destacar também que os erros cometidos favoreceram a diretoria (bônus), aos acionistas (dividendos), e até ao governo (impostos sobre o lucro) e que para cometê-los, os controles internos, as empresas de auditoria independente e a diretoria financeira agiram ineficientemente.

Vito Diniz – Nos últimos anos, eu diria que nos últimos 30 anos, temos visto o setor do varejo balançar com notícias de empresas que parecem saudáveis, e de uma hora para outra são incorporadas, quebram, ou acabam envolvidas em escândalos, como foi o caso da Ricardo Eletro, só pra citar um, e agora Americanas. Mas tivemos outras que desapareceram, por razões as mais diversas. Cada caso é um caso, obviamente, mas parece haver um fio condutor nessa história toda, que é uma rotineira prática de sonegação de impostos e manipulação de balanços. Por que isso parece ser mais frequente no setor comercial, do que no industrial? Você vê alguma relação nestes diferentes casos?

AGENOR BURLA - São dezenas de casos de empresas de varejo que fecharam, a citar, Sears, Mesbla, Mappin, Brastel, Casas da Banha... Parece-nos que o segmento ainda não encontrou um modelo de gestão que garanta a sobrevivência das empresas. Já testemunhamos a automação, a transição para o comércio eletrônico, os ganhos de escala com a fusão de diversas empresas (Ponto Frio, Casas Bahia) e, no entanto, parece-nos que nada disso ainda foi suficiente.

Vito Diniz – Seria descaso com sistemas de controle e de gestão mais profissionais? Ausência de uma cultura empresarial mais forte?

AGENOR BURLA - Quanto à questão de haver uma ocorrência maior no setor comercial, é preciso destacar que as indústrias se extinguem por outros motivos, tais como, obsolescência, alteração tecnológica drástica como Xerox e Kodak, por exemplo. Assim, não é muito fácil estabelecer uma comparação diante de modelos de negócio tão diferentes. Na minha opinião, a cultura empresarial serve ao interesse do controlador. As Americanas o demonstram. Não acredito que os executivos da empresa fossem incompetentes, mas sim, que serviam a uma prática cotidiana que se opunha aos modelos de gestão mais eficientes.

Vito Diniz – Nesse caso específico das Americanas, que ainda nem se sabe ao certo o tamanho do rombo, é possível salvar a empresa, visto que ela vinha tendo problemas pra cobrir seus custos e hoje deve fortunas a bancos, fornecedores, prestadores de serviço, além de ter um passivo trabalhista e impostos a recolher?

AGENOR BURLA - Sempre é possível, mas é necessário combinar a reparação dos danos com captação de recursos e alongamento da dívida. É preciso levantar uma soma capaz de torná-la solvente, compreende? Ah! Antes que eu me esqueça, com um modelo de gestão mais simples, barato e ágil.

Vito Diniz – Existem especialistas mais comedidos que chamam o caso das Americanas de rombo, atribuem às consequências a "erros contábeis". Outros mais exaltados classificam como golpe, e chegam a falar em "fraude". A primeira versão minimiza os danos e acomoda situações, a segunda criminaliza e dificulta o processo de recuperação, por certo. Entretanto, uma coisa parece que as duas correntes cobram: que alguém seja responsabilizado, civil e criminalmente. Você acha que isso acontecerá?

AGENOR BURLA - É muito difícil prever, mas acredito que este escândalo compromete a reputação e o patrimônio de tantas pessoas, instituições e órgãos de fiscalização que será necessário apresentar um bode expiatório à audiência. Veja, são falsas as declarações prestadas à CVM. Quem omitiu as informações? Quem registrou dados incorretos propositalmente? Quem deixou de aferir os dados? Quem orientou num possível cometimento de fraude? Alguém não terá como se justificar.

Vito Diniz – As Americanas faturaram alto, quando anunciaram o Sérgio Rial como novo CEO, em agosto do ano passado. Algo em torno de R$ 2 bilhões, uma valorização espetacular, só por anunciar um CEO com relação estreita com o mercado financeiro, afinal de contas, ele foi "o cara" do Santander, que por sinal é um dos credores das Americanas. Ele assume em janeiro e em menos de 15 dias na empresa, solta essa bomba. Você não considera essa movimentação muito estranha, não?

AGENOR BURLA - O valor das ações é significativamente influenciado por expectativas. Sérgio chegou às Americanas, conduzido por uma estratégia de marketing agressiva, valorizando os títulos. Contudo, alguns sabiam que a valorização artificial alcançada era absolutamente indevida, o que, de alguma maneira, foi bastante desleal. O reconhecimento do rombo em tão pouco tempo revela que outros também o sabiam, mas, por uma questão de comprometimento, não podiam denunciar.

Vito Diniz – Você acha que isso pode influenciar nas demais operações do grupo 3G?

AGENOR BURLA - Tenho certeza que esta ocorrência comprometeu significativamente a imagem do grupo.

Vito Diniz – E quanto às outras partes envolvidas? CVM, empresas de auditoria (a Price, em especial – Pricewaterhouse, empresa de auditoria responsável por validar os balanços das Americanas), o próprio governo? Até onde isso pode chegar?

AGENOR BURLA - As empresas de auditoria vão sair muito arranhadas com isso tudo. A distorção é muito grande e não poderia passar despercebida. A CVM já está abrindo processos para identificar os responsáveis e aplicar as penalidades, num esforço de cumprir, mesmo que de forma tardia, seu papel institucional. Não vejo, a princípio, o que poderia fazer o governo neste caso. Trata-se de um escândalo corporativo na esfera privada. O Estado brasileiro, através do Poder Judiciário, haverá de processar as demandas na esfera cível e criminal a partir das provas que virão a ser produzidas.

Vito Diniz – Que os responsáveis sejam punidos de acordo com a lei, e os trabalhadores não paguem a conta dos bilionários. Há muitos pequenos fornecedores, comerciantes e prestadores de serviço que viram no marketplace uma alternativa para a crise. Muitos dependem disso. O problema é que na recuperação judicial eles entram no final da fila, correto?

AGENOR BURLA - Sim.

Vito Diniz – A corda vai estourar do lado mais fraco?

AGENOR BURLA - A corda já estourou do lado mais fraco e há notícias de diversas falências de pequenos fornecedores.

Vito Diniz – Com relação a esse aspecto, você acha que caberia uma ação emergencial do governo, no sentido de facilitar uma linha de crédito para que possam se reerguer? É possível rastrear aqueles que foram realmente prejudicados pelas Americanas, legalmente haveria como fazer isso?

AGENOR BURLA - Seria possível através do BNDES, mas seria necessário estudar caso a caso, talvez com suporte do SEBRAE (Serviço de Apoio às Pequenas e Micro Empresas) e recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), para não se perderem mais postos de trabalho. É uma ideia, mas, só estando no governo para juntar todas as peças.

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