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"Não sou de lá e nem daqui", diz coreano que vive há 57 anos no Brasil

"Os imigrantes vivem em um terceiro mundo desse espaço/tempo.

Por Exclusivo RJ em 25/06/2023 às 11:20:21

Bairro Bom Retiro, na região central de São Paulo, é referência para a comunidade coreana. Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

"Nas décadas de 60 e 70, a própria migração interna é superintensa do campo pra cidade. O Brasil deixa de ser rural. Então esses migrantes coreanos já vêm nesse momento em que os postos de trabalho no campo já não são tão interessantes. Como eles já tinham algumas experiências de trabalho em cidade e uma certa escolaridade, eles decidem não seguir no campo. O comércio, inicialmente, se tornou um foco de atuação. Trabalhos acadêmicos mencionam muito sobre esse trabalho de sair pra vender, principalmente as mulheres, que saiam à noite tocando nas portas, vendendo as roupas que elas conseguiam adquirir em outros lugares e vendiam, repassavam, mesmo com a dificuldade da língua. Isso depois vai se desdobrar para a aproximação desse grupo no campo da confecção de roupas, como eles vêm a ficar muito conhecidos aqui na cidade de São Paulo", disse Haruo.

Isso não aconteceu somente com esse primeiro grupo de imigrantes coreanos. Esse foi o caso, por exemplo, do pai do professor Jung Mo Sung, que era engenheiro/arquiteto na Coreia e, quando chegou ao Brasil, passou também a trabalhar com confecções.

"Em São Paulo [meus pais] trabalharam no comércio, em confecção. Começaram fazendo costura, depois tentaram vender. Montaram uma fabriquinha e foi. Começamos em uma casa, [no bairro] na Aclimação para fazer costura. Depois fomos para [os bairros] a Mooca e Brás. O custo para pagar uma loja no Brasil é muito alto, então a gente tinha uma fábrica e a gente alugava uma sala", contou o professor.

Ditaduras e traumas

Fugindo de um regime ditador por lá, os coreanos chegam ao Brasil no período em que o país também vive uma violenta ditadura. Associada a uma dificuldade de se comunicar, pela questão linguística, os coreanos passam a viver no Brasil sob intenso receio e preconceitos. "O primeiro grupo social [de coreanos] migrou em 63 e pegou o período da ditadura [no Brasil]. E esse é um período em que a politica migratória passou a enxergar no migrante um inimigo, um inimigo nacional. Então a população migrante, não só coreana, que também tem essa questão da dificuldade da língua, tem também uma dificuldade enorme de se regularizar. E isso tem consequências para os seus negócios. Até hoje, as pessoas mais antigas da comunidade têm um pouco de receio de abrir suas portas e de explicar como são os seus negócios", contou Haruo.

Dificuldades provocadas pela língua, ausência de políticas públicas voltadas para o acolhimento e o sentimento de não pertencimento ou de crise de identidade. Ser migrante é também enfrentar dificuldades e aprender a lidar com traumas, provocados principalmente pelas diferenças culturais.

"Acho que para um imigrante, principalmente oriental, tudo é mais complicado. E, apesar dos imigrantes japoneses já estarem no Brasil nessa época, os brasileiros ainda estranhavam a presença de pessoas com essas características físicas, com os olhos diferentes, puxados. Minha mãe conta histórias de pessoas que devolveram o tofu por estar com uma consistência e sabor diferente do queijo", recordou a médica.

"Vamos tocando a vida, mas vamos descobrindo que [a migração] marca muito. É tudo diferente, a forma como se come, a forma como se senta à mesa. Para se comer no Brasil, você enche a boca, espera, termina de mastigar e depois coloca outro pedaço. Na cultura coreana, você coloca arroz, depois você começa a colocar várias misturas e junta na boca e mastiga. O coreano, quando já tem a boca cheia de comida, vai colocando mais comida. Então, até a noção do que é ser educado é uma confusão. Lá eu era visto como uma pessoa educada, que come bem, direitinho. Mas aqui, no Brasil, estava totalmente errado. Então se cria uma crise de identidade, vamos dizer assim", disse Jung Mo Sung.

Já adulto, Jung Mo Sung retornou para a Coreia algumas vezes. Mas lá também não conseguiu se sentir em casa. "Quando eu voltei para a Coreia, pela primeira vez, para participar de um congresso, chegando lá eu falei: 'aqui é meu lugar'. Três dias depois, eu queria voltar para casa porque a cultura lá é completamente diferente. Mas, quando volto para cá, aqui também não é a minha casa porque sou estrangeiro aqui. Tive um AVC [acidente vascular cerebral] há cinco anos e perdi só a fala. Perdi o coreano, estou aprendendo de novo o inglês, estou aprendendo de novo. Mas uma das coisas que percebi é que eu voltei a ter hábito coreano. Por exemplo, na universidade, a pessoa vinha para me cumprimentar e eu abaixava a cabeça, o que é o automático na Coreia, e não dava a mão. Eu dizia para as pessoas que estava recuperando a minha identidade de coreano", contou.

Para ele, a história do migrante está sempre associada à adaptação, a dificuldades e sofrimento. "E há duas formas de se lidar com esse sofrimento: resolver, e isso leva tempo, já que é [preciso] abrir de volta as feridas para poder limpar; ou então você fecha e faz de conta que não tem. Mas como isso está lá, isso volta como uma forma de neurose, repressão, etc.", destacou. "Precisamos entender o processo do mundo em relação à imigração, à globalização cultural e de convívio com gentes estranhas", acrescentou.

Fonte: https://memoria.ebc.com.br/rss

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